sábado, 20 de abril de 2013

Death Row (2012) de Werner Herzog


Pena de morte. Eis um assunto que por muitas vezes que seja levantado por cineastas, políticos, filósofos ou apenas por cidadãos anónimos não perde, por um momento, a sua inquestionável pertinência e sentido de urgência. Herzog não dá tempo para o espectador se perder em especulações vãs e faz a devida declaração de princípios logo na abertura de cada um dos episódios desta mini-série intitulada "Death Row": "As a German, coming from a different historical background and being a guest in the United States, I respectfully disagree with the practice of capital punishment". A partir daqui, entramos no "abismo", mais concretamente, na cabeça de cinco condenados que aguardam, alguns já sem acalentar esperanças noutro desfecho, pela marcação daquele que será o seu último dia de vida na Terra. Herzog continua a marcar terreno depois do prólogo quando diz, cara-a-cara com o entrevistado, que não está ali porque "gosta" dele, nem está ali para o "inocentar". São duas posições desconcertantes para quem está habituado ao sensacionalismo simplista dos media norte-americanos - e não só, e não só... - onde o registo da reportagem ou da "história de vida" encobre a vontade exploratório de julgar pessoas na praça pública, etiquetar caracteres e definir destinos ali mesmo, ao vivo e a cores. Herzog não vai por este caminho, ou melhor, diz que não irá por aí, deixando o entrevistado nitidamente intrigado pela "razão de ser" da sua presença.

O que busca, então, o realizador alemão? Há um ano, logo no primeiro dia de IndieLisboa, vi "Into the Abyss", longa-metragem que serve de antecâmara para esta série dividida em quatro episódios, correspondentes a cinco histórias de vida, que reproduzem crimes hedíondos, que se alimentam de uma especulação mortificante sobre o futuro-sem-futuro daqueles "dead men walking" e/ou que lançam a dúvida mais genérica, quase existencial, sobre os limites da natureza humana. O fenómeno de identificação-projecção é tenebroso quando temos à frente, no ecrã, um rosto que fala, se expressa, sonha e sente como nós, espectadores livres, "personagens" que apenas contemplam, "de fora" e à distância, o ecrã "cativante". A divisória envidraçada, transparente, que separa Herzog dos condenados é a mesma que nos separa de cada uma daquelas histórias - histórias? Não, como o próprio acentua no último episódio, de cada um daqueles SERES HUMANOS. A proximidade entre "eles" e "nós", quase sem sentirmos a confortável "distância de segurança" que alguma ficção norte-americana por norma nos  assegura, é um dos principais testes que esta série coloca aos seus espectadores - e estou certo que, para muita gente, a experiência raiará o insuportável.

Posto isto, vistos que estão estes 200 minutos de sofrimento humano - para o lado das vítimas, para o lado dos criminosos, para o lado do sistema judicial e da sociedade norte-americanas -, tenho a dizer que, enquanto "objecto cinematográfico", "Death Row" não acrescenta nada que não esteja já expresso e bem condensado na longa-metragem "Into the Abyss". Vou mais longe: enquanto "objecto cinematográfico", esta mini-série lançada no canal britânico Channel 4 arrisca expor-se em demasia a uma certa incapacidade de Herzog em localizar as razões profundas deste projecto.  Se no primeiro episódio, o próprio torna claro o que já disse atrás - que não está ali para "inocentar" nem para "gostar de" ou tornar aquela pessoa "apreciável" -, nos últimos, sentimos que, pelo caminho, "Death Row" vai perdendo o seu foco principal, acabando por se tornar, na história de Linda por exemplo, num objecto quase banalmente televisivo ou tipicamente jornalístico, de reconstituição e confrontação, de ponto e contra-ponto, de acusação e defesa, pondo em cena uma espécie de "segundo julgamento", algo que qualquer um daqueles condenados decerto agradecerá.

Nos últimos episódios, sente-se que já vai longe ou que se perdeu algures pelo caminho o intento inicial de Herzog, que passava por questionar pessoas à beira da morte sobre as suas concepções de liberdade, justiça e comunidade, sobre as suas noções de tempo, os sonhos e pesadelos e as suas fantasias mais terrenas. Esta gradual desfocagem é relativamente evidente para quem assistir a "Death Row" como se fosse um objecto de cinema, isto é, para quem - como eu - o viu em continuidade, apenas com uma relativamente curta interrupção entre as Partes I-II e as Partes III-IV. Ora, "Death Row" não é um filme, mas sim um produto televisivo. Programá-lo como algo diferente poderá involuntariamente "jogar contra si", pondo a nu um conjunto de fragilidades que não serão tão facilmente detectáveis no suporte mediúnico para o qual, originalmente, este se destina. Posto isto, claro que está aqui uma série relevante, com uma distinta "marca de realizador" - o humor negro de Herzog desconcerta-nos ao ponto de não sabermos como reagir, se com riso, com choque, angústia ou tudo ao mesmo tempo - e uma capacidade rara - raríssima na televisão, isso garanto - de nos interpelar, bem fundo, sobre tudo aquilo que damos como garantido, começando, como é claro, pela nossa própria vida.

(Os quatro episódios de "Death Row" foram exibidos, dentro da secção Observatório, ao longo do dia de hoje, 19 de Abril, no Cinema City Classic Alvalade. As Partes I e II voltam a passar no mesmo cinema, dia 21, domingo, às 21h45. As Partes III e IV são mostradas seis dias depois, dia 27, sábado, também no Cinema de Alvalade. Tenho de dizer que me parece mais feliz programar estes dois blocos com alguma distância temporal entre si, na medida em que aproxima o objecto do modelo de programação para o qual este fora originalmente pensado e concebido. Reexibido nestes moldes, não posso deixar de recomendar, ao espectador com a predisposição certa e que ainda não viu "Into the Abyss", esta exigente experiência humana.)

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