sexta-feira, 4 de maio de 2012

Alpeis (2011) de Giorgos Lanthimos


O que fica do choque (positivo) de "Canino"? Bem, do mais palpável, fica a actriz, a fabulosa Aggeliki Papoulia, a "irmã mais velha" no filme anterior de Giorgos Lanthimos. Para mim, esta é a maior revelação do cinema europeu desde Anamaria Marinca ("4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias"): a forma como ela coreografa (e o verbo é mesmo este), com o corpo e as palavras, as duas personagens que interpreta é tão perturbadora quanto desconcertante. Quase como se o burlesco, a par de um gosto pelos gestos repentinos, as palavras abruptas, lhe corresse no sangue e irrompesse espontaneamente do seu corpo maleável. Se em "Canino" se fazia notar, aqui, em "Alpeis", não interessa mais nada nem ninguém sem ser ela.

O que se mantém mais desde "Canino"? O gosto pelos jogos, jogos de palavras, jogos de papéis, de duplos, de mimesis, estilo sociodrama perverso (e pervertido). A história de "Alpeis" sai fora do perímetro da casa de "Canino", como que estendendo, "além-fronteiras", esta economia baseada no jogo: lembram-se do desafiador "se me lambes aqui, dou-te uma prenda" do anterior filme de Lanthimos? Pois, aqui ele prossegue... só que de outro modo. Há um prazer na encenação de pequenos papéis que se confunde perturbantemente com a vida, como se não houvesse de facto fronteira delineável entre o que é simulação ou jogo e o que é vida de facto. (Também só agora me ocorre citar Lucrecia Martel como referência cinéfila possível neste cinema áspero, corporal e de "palcos" incertos.)

É que as personagens de "Alpeis" têm como "segundo emprego" a estranha actividade de "entrarem em cena" quando alguém especial partiu para sempre deste mundo. Com o intuito de amenizar a experiência do luto (e fazer algum dinheiro com isso), o grupo auto-denominado "Alpes" destaca um dos seus membros para (se) ocupar (d)o "lugar deixado vago" na vida de famílias destroçadas pela morte de alguém próximo. Curiosamente, aqui parece que estamos no mesmo domínio temático de "Em Segunda Mão" de Catarina Ruivo, outro filme que passou no IndieLisboa, e que lida, outrossim, com a vida como uma espécie de dança das cadeiras, que é aplicada, no caso, ao desparecimento de alguém, que, à partida, se teria como "insubstituível". Numa palavra, o que a empresa "Alpes" faz é tirar o prefixo "in" e tornar a morte numa cadeira vaga que o próximo jogador (actor) poderá ocupar. Assim que a música pare.

Lanthimos perdeu boa parte da truculência e inspiração de "Canino", porque o que aqui era uma "linguagem nova em formação", em "Alpeis" é apenas uma variante pobre desta, alicerçada menos no confronto entre as personagens - o corpo-a-corpo intenso, canino, que testemunháramos antes e nos espantara - e privilegiando o desenvolvimento anedótico de uma intriga demasiado rebuscada. Tratar-se-á, possivelmente, de uma obra de passagem, mas, de qualquer modo, não constitui avanço nenhum em relação ao surpreendente "Canino", filme que recomendo que se veja e até que se reveja, talvez mesmo em detrimento deste "Alpeis".

("Alpeis" foi mostrado hoje no IndieLisboa. É reexibido no dia 5 de Maio, no Pequeno Auditório da Culturgest, às 21h45. Para mim, este não é um visionamento prioritário, sobretudo, se ainda não viu "Canino".)

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