domingo, 15 de julho de 2012

D'Est (1993) de Chantal Akerman


Há uma certa propensão dos povos de leste, sobretudo os nobres representantes da grande nação russa, para a estatuária. Não para fazerem estátuas, mas para se fazerem estátuas. A câmara de Akerman, nos anos gélidos de incerteza depois do desmembramento do império soviético, ratifica essa propensão que no cinema se demonstrara, primeiramente, com os filmes do grande cineasta ucraniano Alexander Dovzhenko e que, mais proximamente, veio a ganhar uma nova dimensão com Sokurov e a sua "Arca Russa". O que há de "documental" neste filme de Akerman que confere aquilo que a ficção tão eloquentemente traduz(ira)? De documental, puramente documental, há a viagem que a realizadora belga decidiu fazer pelo leste europeu, começando pela RDA, passando pela Polónia, os países do Báltico, e desfechando, claro, na Terra Mãe Russia.

Fora da viagem, fora "dessa ideia de travelling", encontramos um espectacular registo de formas, ambientes, luzes, espaços, corpos parados, imponentes, ou "desconsertados" a bailar... Esse registo é "ficcionalizado" pelo outro travelling, aquele que diria já não ser mais uma ideia mas um gesto - ia escrever "formal" mas a palavra certa é "formador", isto é, criador de formas que surgem da paisagem contra a qual Akerman "expõe" a sua câmara movente. Virada para a realidade, esta câmara "formadora" mostra-nos, em jeito de visita a um museu vivo (a tal "Arca Russa antes de Sokurov") e à guisa de um painel menos pictórico que estatual, o Homem de Leste. É, aliás, sabendo respeitar a imponência do silêncio e a imobilidade destes corpos filmados em plano médio, ligeiros contra-picados que são suficientes para "monumentalizar" a escala humana, que "D'Est" esboça algo mais do que um filme-postal sobre as viagens de uma estranha chamada Chantal Akerman pela terra das utopias recém devastadas. Estamos, aqui, na presença de um filme quase abstracto que, paradoxalmente, parece chegar mais perto que (quase) todos os outros da dimensão real e concreta de um império de pedra que se esboroa por dentro.

Este "esboroar por dentro", livre de qualquer tentativa de psicologizar o que se mostra, aparece-nos sob a forma das ideias (e aqui ideias em abstracto) de solidão (exemplo do homem que come a sua refeição sozinho), de euforia pré-disfórica (o casal que dança parece celebrar efusivamente o fim de qualquer coisa, sem olhar para a frente, como quem baila sobre o precipício...) e de espera (os "corpos de pedra" que se mostram "esperando" numa fila disforme, que recusa, aparentemente, a fusão e uniformidade entre os corpos). Apesar deste registo sobre o espírito convulso de um império decadente, as imagens do exterior (fora das ideias e ficando-nos nos corpos) são imperiosos e soberanos blocos de pedra, a quem a câmara (no movimento lânguido como na escala dos planos) presta a devida reverência. No sentido de uma poética (poiesis) das formas, "D'Est" sobe alto.

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