sexta-feira, 4 de maio de 2012

Toata lumea din familia noastra (2012) de Radu Jude


Chego ao nono dia e cai-me do céu - não do céu, mas, mais precisamente, de um país que já é uma potência cinematográfica - aquele que é, até ver - e estamos a dois dias do fim -, o melhor filme do IndieLisboa 2012 que me passou pelos olhos. O romeno Radu Jude, que com "The Happiest Girl in the World" ganhara em 2009 o prémio FIPRESCI do IndieLisboa, assina este drama intenso, mas não sufocante - como é, por exemplo, um filme de Puiu -, sobre um pai que quer levar a filha pequena de férias, mas a mãe, que custodia a criança, tal como o seu actual namorado bloqueiam-no nos seus intentos. Escudando-se no estado febril da menina, a mãe diz que esta não está em condições para fazer qualquer viagem. O filme não começa  neste ponto - é preciso sublinhar. Antes, o nosso protagonista passa por casa dos pais e, nela, assistimos a uma espécie de prelúdio, numa micro, muito micro, escala, para o que acontecerá mais à frente.

Como diz o Carlos Natálio, que teve a felicidade de ver este filme na sua primeira exibição, "Everybody in Our Family" é uma espécie de "Dog Day Afternoon" matrimonial ou doméstico. Contudo, a progressão do drama, que, pela situação "apocalíptica" a que chega, nos faz rir, nem que nervosamente, com alguma frequência, é-nos dada ao ritmo da vida, propiciando uma imersão lenta do espectador no universo das personagens, mais especificamente, no seu quadro mental (convulso). É que, a certa altura, a situação degenera num (imprevisto) sequestro sem um assumido sequestrador, sequestro sem evidentes vítimas - a vítima não será ele, em primeiro lugar? Não sei...

De facto, a questão da culpabilidade versus inocência parece ser o grande combate que se trava, interiormente, em cada uma das personagens do filme, a começar pelo seu protagonista, homem que age por impulso, com os nervos em franja, mas, preciso de sublinhar, legitimamente com os nervos em franja. A verdade é que ele se sente posto de lado na vida da filha pela sua ex-mulher. Ela que não é, de modo algum, retratada como um anjo, mulher "sem culpas" e sem mácula. Ela não tem pejo em lhe atirar para a cara o desejo de o afastar de vez da sua filha - sobretudo agora que o seu namorado está ali, a substituí-lo com o acréscimo de a tratar como o nosso protagonista nunca a tratou.

É difícil engolir essas palavras e, por isso, compreendemos o desnorte deste homem, que tem tanto de bruto quanto de sensível, indivíduo que, logo nas primeiras imagens, percebemos viver uma vida depressiva, entre as quatro paredes do seu apartamento caótico. Com efeito, não há inocentes aqui. Com efeito, não há culpados aqui. Assistimos ao desenrolar de uma situação dramática, que não estava nos planos de ninguém, nem mesmo do nosso protagonista, com um espanto crescente, mas sem nos precipitarmos em julgamentos morais; espantamo-nos porque, se calhar, também nós podemos cair na mesma situação - afinal, é, claramente, por amor à filha e, até arrisco dizer mais, por amor à sua ex-mulher, que este homem perde a cabeça e arma um rebuliço por toda a casa.

Acho genial toda a coreografia dos corpos, tendo como farol a acção, desprovida de um sentido - mas com sentido, isto é, compreensível -, do pai: ele, em ataques de fúria, puxa o namorado da ex-mulher para a cozinha, arrasta a ex-mulher para a sala, tranca no quarto a filha e a ex-sogra - velhota simpática que, sentimos, lá no fundo, ama porque compreende ou compreende porque ama, ainda ama, aquele homem enlouquecido, ela percebe que toda uma vida lhe fugiu das mãos... Isto é, Radu Jude é um cineasta muito adulto, não decide, nem nos leva a isso, quem vai para o Paraíso e quem vai para o Inferno - cito aqui a também muito impressionante conversa entre pai e filha que antecede o vendaval doméstico. Na verdade, opta sempre por nos dar os dois lados da disputa, documentando assim a fina linha que determina os nossos próprios limites, aquela que nos aproxima ou distancia do nosso mais impensável agir. Não a subestimem, não pensem que estão imunes às suas súbitas deslocações (neste particular, lembra "A Separação"). Penso que é isto que o filme de Radu Jude nos quer dizer e di-lo, aliás, de forma magistral.

("Everybody in Our Family" foi mostrado hoje, pela última vez, no IndieLisboa. Com João Canijo, cineasta que, diríamos nós, ter uma qualquer costela romena, no júri da competição oficial, onde concorre o filme de Radu Jude, pensamos que é certa a premiação, contudo, deixo aqui a seguinte ideia: grandes filmes como este só conhecem um grande prémio, que é serem vistos. Por isso, peço às nossas distribuidoras que o dêem a ver ao nosso público. E que o façam com urgência.)

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