segunda-feira, 30 de abril de 2012

Warnung vor einer heiligen Nutte (1971) de Rainer Werner Fassbinder


Na secção dedicada aos 50 anos da Viennale, em que cada década aparece representada por um filme*, vi "Cuidado com essa Puta Sagrada", truculenta, tempestuosa e "terrorista" sátira ao labor em cinema. Se Wenders tem o seu "Estado das Coisas" (1982), Fassbinder tem a sua "Puta Sagrada" (1970). Estou a falar do cinema, claro, claro? Não, do cinema sobre o cinema, films on films, mais concretamente, filmes em que uma equipa de rodagem é material dramático suficiente para se dissecarem problemas maiores (que o cinema? Impossível...), do coração e do corpo. Fassbinder é magistral a filmar a dinâmica relacional entre actores (entre eles, Eddie "Lemmy Caution" Constantine e Werner Shroeter), assistentes de realização, produção (um deles interpretado pelo próprio Fassbinder) e, claro, bem no centro, Jeff (Lou Castel), o realizador, um pequeno déspota com sangue nas guelras (auto-retrato de Fassbinder?) e, pior que isso, um homem temperamental a braços com uma crise criativa, confundida com desgosto de amor (por outros e por ele?), que paralisa toda a produção.

A câmara de Fassbinder baila, no espaço, com um desprendimento extraordinário - será esse o Fassbinder touch? -, captando as dinâmicas relacionais, os "focos" de tensão ou de pura apatia e marasmo e, enquanto isso, bebem-se copos e mais copos de Cuba Libre ao som de tema atrás de tema de Leonard Cohen (também o ouvimos, quase em modo repeat hipnótico, em "O Direito do Mais Forte à Liberdade"). Partem-se copos, dá-se uma, duas, três estaladas nas putas de serviço e grita-se, grita-se muito, sobretudo Jeff, mas grita-se tudo menos "acção!". O filme está parado e a crise colectiva bate à porta. A par disso, Fassbinder vai alfinetando as sensibilidades femininas com inúmeras manifestações de brutalidade machista por parte dos homens do cinema (ele próprio, por exemplo) e satiriza - satirizará? - a arrogância e racismo alemães. Numa palavra, "Cuidado com essa Puta Sagrada" de Fassbinder é o filme ideal para se perceber o seu cinema - e a sua visão do cinema - bem por dentro.

(Este filme foi mostrado hoje no IndieLisboa. Infelizmente, não será exibido de novo no festival.)

* - A primeira sessão, dedicada aos anos 60, terá sido um momento alto no festival, como relatam bloggers como o Carlos Natálio. O CINEdrio não assistiu a esta "histórica" reposição, porque ainda tem bem presente, no espírito e no estômago, os efeitos devastadores de "Daisies", provavelmente, o filme mais odiado e mais amado das novas vagas sob o signo (e tantas vezes críticas) do bloco soviético. Se não o viu ontem, no grande ecrã, procure a magnífica edição da Second Run ou invista mais umas coroas aqui. Gostando ou não, por favor, não perca a experiência.

1 comentário:

felicidade clandestina disse...

seu texto me deixou com muita vontade de assistir. aprecio o trabalho de Fassbinder.

abraços

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...