quarta-feira, 17 de julho de 2013

Passion (2012) de Brian De Palma


Numa entrevista que passava há dias na RTP, Brian De Palma abria o jogo: para este "Passion", o cineasta levava muitas ideias que tinha acumulado ao longo dos anos em torno de sonhos, pesadelos e fantasias. De Palma queria usar a história thrillesca de um filme de Alain Corneau para pôr em acção o desejo por essas tantas imagens da mente que guardava só para si. Havia algo de pervertido no modo como o realizador de "Body Double" punha a coisa. Parecia esfregar as mãos e arregalar os olhos quando dizia, com uma serenidade calculada: "e há ainda todo o mind fucking". Pois há, aliás, "Passion" é um ego fucking sem fim, quase em modo soft porn do corpo, hard porn da mente, para o triunvirato feminino. É também - como tinha de ser - um verdadeiro jogo de massacre entre De Palma e nós, espectadores. Não há que enganar: "Passion" é o primeiro filme 100% palmaniano desde a sua obra-prima máxima, "Femme Fatale".

O jogo de espelhos, de máscaras, os ecrãs de ecrãs (do cinema a publicitar a publicidade, da publicidade a publicitar o cinema) e o sexo à mostra disto tudo, tudo se excita aqui, nesta fábula moderna baseada num hard sponsoring (à maçã apodrecida que nos liga...) que faz das relações humanas, no local de trabalho ou para lá dele, um verdadeiro teatro (ou será antes ballet?) apocalíptico, de invejas e apunhalamentos batesianos pelas costas. As soluções visuais de que falava em entrevista De Palma, mais as duas principais interpretações femininas (McAdams chega mesmo a queimar aqui) são o sumo deste... remake, que, na realidade, é um "sacanço" a Alain Corneau, decerto apanhado com as calças na mão pelo frenesim cleptomaníaco do maior furtador da história do cinema.

A ousadia formal não tem limites: a câmara de Palma inventa contra-campos em ecrãs de computador desligados, transpõe o mistério à la Argento da máscara kubrickiana para uma cena em que é o interface mediático (no caso, o Skype) que ora esconde, ora espanta. "Passion" desmonta ainda a hipocrisia e vileza mais diabólica do universo empresarial a partir das estruturas do sonho e do sexo lésbico, algo que não se vira assim, com tanto veneno no sangue (nos lábios...), desde "Choses secrètes". "Passion" é sexual e psicanalítico como um "Dressed to Kill" ou um "Raising Cain", é manhoso e traiçoeiro como um "Body Double" ou "Femme Fatale", é político e documental, no seu desnudamento da natureza apocalíptica das relações sociais e laborais dos nossos dias, como só "Redacted" ainda tentara ser, na sua reflexão sobre o mundo e a teia (web) virtual e tecnológica que o envolve. Por muito delirante que seja, este é um imprescindível documento fílmico, sobre o mundo de De Palma mas surpreendentemente mais que isso: sobre o mundo de hoje visto por De Palma.

1 comentário:

Carlos Branco disse...

Luís, revejo-me na tua critica. e com certeza que vai entrar para o best of deste ano. abr,

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