sábado, 10 de março de 2012

The Pawnbroker (1964) de Sidney Lumet


Que é um dos maiores filmes sobre o pós-Holocausto, tenho poucas dúvidas. Não é difícil dizê-lo, porque "The Pawnbroker" é um drama lancinante sobre um judeu que da Alemanha nazi, do campo de concentração de Auschwitz, mudou-se para a Nova Iorque problemática, da Bowery, como gestor de uma loja de penhores, gradeada, simultaneamente, isolada e "cheia de" mundo, isto é, outrossim concentracionária e de "clientela" socialmente diversa.

Rod Steiger - que, sem o habitual overacting patrocinado pela escola do Actor's Studio, tem um papelão monumental - empresta o corpo ao penhorista atormentado pelos "flashes de memória" do Horror de que foi testemunha nos campos, enquanto tenta "sobreviver" - como ele diz... - ao dia-a-dia convulso da cidade de Nova Iorque, mais concretamente, a toda a montanha de problemas debitada pelos seus clientes desesperados - velhos solitários em busca de companhia, prostitutas em conflito com os seus chulos, mulheres, também solitárias, reunindo apoios, "porta a porta", para instituições de beneficiência, drogados à procura de dinheiro rápido, etc...

A fauna é rica, heteróclita, e a personagem de Steiger assiste à Nova Iorque dos anos 60 - ela desfila à sua frente - do outro lado das grades: como numa prisão invertida, ele não está "privado do mundo", pelo contrário... o mundo persiste em não se privar dele. Sol Nazerman - é este o seu nome no filme - lida com o meio envolvente como uma droga para refrear as "vindas à superfície" da memória do Horror, mas o contacto humano faz-lhe tão bem quanto mal: o recalcamento de tantas imagens humanamente impossíveis, torna-o inapto para o contacto - o toque-a-toque - do social. Como se diz a certa altura, Sol Nazerman é um homem sem emoções, um "morto-vivo", como um velho moribundo lhe chama - e que tamanha dureza é ouvir tal coisa de um velho acamado, à beira da morte!

Dois instantes moldam Sol como uma daquelas personagens solitárias, em permanente "cativeiro existencial", que celebrizaram as obras-primas de Lumet (de "12 Angry Men" a "Serpico" ou a "The Verdict", por exemplo...). E os dois sucedem-se.

Primeiro: a viagem de Sol pela cidade, de metro e depois a pé, percorrendo a zona moderna da cidade - olhando retroactivamente, até parece que Ventura replica os seus passos na sua flânerie pelos edifícios de habitação social, em "Juventude em Marcha". Quando entra no metro, perante a imagem das massas humanas amontoadas dentro da carruagem, da cabeça de Sol irrompe uma montagem paralela perfeita (à la "A Greve" de Eisenstein): no lugar dos passageiros nova-iorquinos, passamos a ver corpos e mais corpos em carruagens que vão, sem qualquer perspectiva de retorno, no sentido do campo de concentração...

Segundo: Sol sai do metro e faz então a caminhada até ao apartamento de uma das suas clientes, viúva que vive sozinha e que mostrou interesse em ajudar e "preencher" o vazio patente no rosto atormentado de Sol. Quando o protagonista chega ao apartamento, temos um momento poderosíssimo: ele quer abrir-se a ela, mas ele não acredita na humanidade, na "sua" humanidade - como acreditar naquilo que já não se tem? O corpo não se sabe "estar" naquela casa e a cabeça não sabe o que dizer: a paralisia é total, mas o movimento dessa paralisia está ali, nas imagens, bem visível. Este choque é depois acentuado quando a pobre mulher, de costas, estende o braço no sentido do corpo de Sol, antecipando uma resposta que a ampare - que os ampare - numa relação impossível, isto é, numa relação que nunca poderia resultar.

Sol saiu de Auschwitz, sobreviveu a Auschwitz? Não, quem saiu de lá foi um corpo, um nome (uma identidade), com um passado que ele nunca conseguiria carregar. Numa palavra, Auschwitz não saiu dele e ele ainda sobrevive a Auschwitz. Por quanto tempo mais?, pergunta o filme ao espectador, sem ilusões de conseguir dar resposta.

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