sexta-feira, 21 de março de 2008

O Regresso ou a Ressurreição

"O Regresso" (2003) de Andrei Zvyagintsev

"Cristo Morto" (c. 1500) de Andrea Mantegna (c.1431-1506)

O paralelismo formal é claro. No filme "O Regresso" muitas cenas parecem construídas de acordo com os cânones classicistas do belo, amplamente codificados pelo Renascimento italiano, de que o pintor Mantegna é só mais um exemplo. Nelas, como a cena da refeição, vemos a preocupação pela simetria, pelo equilíbrio e, neste caso particular, um exercício perspéctico que tende a beber na representação quase escultórica do "Cristo Morto" de Mantegna. Apesar da origem russa, o realizador parece, assim, ceder a uma das imagens que melhor define a tradição pictórica ocidental, posta em causa a partir do século XIX, e que se caracteriza pela obsessão em representar uma realidade objectiva, a três dimensões, em contraposição ao ícone oriental.

Mas a metáfora cristológica, que parece percorrer toda a narrativa do filme, acaba por clarificar-se no recurso a este paralelismo: o pai em o "Regresso", que os dois filhos desconheciam até o verem pela primeira vez nesta cena, funciona quase como uma aparição, tão fugaz, misteriosa e não corpórea como a de um Cristo que, de morto, passa a ressuscitado. E talvez não seja por acaso que, depois de verem o pai deitado a dormir, as duas crianças procurem a fotografia de família, onde poderiam confirmar a identidade paterna do homem que acabavam de observar, num livro com imagens de pintura religiosa.

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